Nem sempre seremos fortaleza na vida!

     Feliz Ano Velho! Entramos bem em 2021. Acho que do mesmo jeito que passamos por 2020, sufocados por uma pandemia inédita que não para de ceifar vidas diariamente. Nosso planeta tornou-se um lugar perigoso para nós. A alternativa para sobreviver, antes que todos sejamos vacinados, é simples e complicada ao mesmo tempo: usar máscara, evitar aglomerações, higienizar as mãos e curtir mais a própria casa, possibilidade para poucas almas diante de um mundo miserável. Entretanto, a indisciplina humana, resultante de uma ignorância absurda, da negação do óbvio, nos alertou da existência de  desumanos. As redes sociais abriram as portas para todo tipo de humanoide se manifestar, questionando a ciência, a ética e os valores, sem qualquer argumentação. Como resultado, um sentimento de aversão vem crescendo dentro de mim. Não quero ouvir mais nenhum idiota arrotando sandices. Não quero validar a estupidez, pois tenho o hábito de respeitar opiniões, mas recentemente prefiro me afastar de todas as pessoas que nada me acrescentam, que sejam incapazes de ter um diálogo respeitoso. 
    Saber ouvir é uma arte, mas calar também. Se o que escuto me fere, saio para evitar um confronto inevitável. Eu quero uma vida tranquila com as pessoas que eu amo e que me amam também. Não é pedir muito, para quem já teve que brigar muito. Paz. 2020 ainda não acabou para mim. Sinto falta dos meus pais o tempo todo, mesmo sabendo que foi melhor que eles morressem antes da pandemia. Chorei de agradecimento quando fui pegar a escritura de doação que eles fizeram para eu e minha irmã. Trocaria tudo, tudo para abraçar e beijar meus pais pela última vez. Eu agradeceria pela vida que me deram, pelo apoio incondicional, pelas demonstrações explícitas de amor que me surpreendiam, pela cumplicidade, pelo colo quando precisei e pelos momentos em família que se transformaram em lembranças que jamais esquecerei. 
    A pandemia me faz olhar para dentro todos os dias. Sou um homem de sorte por minha consciência. Sou rico por minha sensibilidade. Sou pródigo por minha direção e foco. E inteligente por estar aprendendo a aceitar a dor, a compreender o que nunca esteve no meu controle.
    Tive muitos sonhos com meus pais. Na verdade foram encontros. Tive a experiência de sentir a presença deles. O papai era mais intenso. Me fazia chorar como ele chorava. Sentia a saudade e a solidão dele, além de um toque de arrependimento. Mas sempre se manifestava quando eu estava só. Chorava muito dirigindo, sentindo ele ao meu lado, como se estivesse de carona. 
    Mamãe era sutil. Senti a presença dela muitas vezes aos meu lado. Me abraçando, segurando a minha mão. O choro era contido, mas a dor da saudade maior. A saudade me tirava o ar. Mas os sonhos eram incríveis. O primeiro eu cheguei a gritar: Que saudades mãe! Ela me abraçou e se desfez como se fosse de areia. Depois eu a via de corpo inteiro, mais nova e com um chapéu cheio de flores. Nos abraçamos ajoelhados e ela se desfez mais lentamente. Em outro meus pais me encontravam e ficavam de joelhos e eu ajoelhava também. Eu perguntei porque se ajoelhavam. E eles diziam que agradeciam pelos filhos que tiveram. Assim, eu os abraçava e dizia: vocês fizeram um bom trabalho, mas se superaram como pai e mãe.
    Sinto que ainda não me recuperei da perda. Nem sei se vou conseguir, mas a saudade será para o resto da minha vida. Sinto que perdi a alegria de viver, mas sei que é temporário; se bem que motivos para me alegrar são poucos. Como ser feliz quando a vida tem sido tão implacável com a humanidade? A vida ensina machucando e isso não é bom para ninguém. A cada vez que um pai, mãe, filho, filha etc morrem por causa da Covid, me faz lembrar da dor de quem fica. Nem sempre seremos fortaleza na vida.

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