Um pouco mais do que um educador

Uma típica tarde fria, cinza e silenciosa de inverno em Petrópolis. Faz agora 10C e me vejo envolvido pelo famoso "russo" desde o amanhecer. Apesar de estar de férias em uma escola e em greve em outra, longe de estar angustiado, compreendo que o governo federal não nos deu qualquer alternativa sensata para resolver esse impasse. Longe de estar alienado, aproveito o momento para realizar um dos encontros que mais aprecio: estar com a minha pequena família. Sou capaz de abrir mão do meu trabalho para estar aqui. Considero mais importante fortalecer laços de amor do que profissionais. Talvez seja fácil estar mais disponível por já ter me realizado profissionalmente. Não preciso provar nada e o que consegui até agora me basta para viver.
Nunca vivi delirando com uma situação financeira melhor, mas investi na minha carreira de professor fazendo o melhor que pude. Nunca reclamei do meu trabalho. Nunca reclamei do meu salário. Nunca desejei jogar tudo para o alto, assim como nunca me fiz de vítima ou sofredor.
Tenho muito bem resolvida a minha vida profissional, que se organizou muito tempo antes da minha vida pessoal. Trabalhar nunca foi penoso, apesar de ter me levado ao esgotamento físico algumas vezes. Mesmo assim, tenho para mim que fui e sou capaz de me adaptar a qualquer situação que eu quisesse.
Falar no meu trabalho significa falar na fluidez com que ele sempre aconteceu. Isso vai além do que poderia imaginar, como se fosse uma escolha natural, uma decisão acertada e consciente. Lembro-me das incertezas em fazer Geografia, das pressões contrárias até assumir, com todos os ônus e bônus, a minha escolha profissional e saudavelmente egoísta.
Após 27 anos de envolvimento com a educação, não olho para trás com saudades. Vejo-me hoje mais como educador do que professor de Geografia. A maturidade me permitiu dar um significado mais humano ao conteúdo geográfico. Isso significa me colocar acima de tudo como um ser humano para meus alunos. Nunca me senti tão humano ao dar aulas tão próximo da minha aposentadoria.
A Geografia me permite abrir um leque de temas e explorar sentimentos únicos com meus alunos, independente da maturidade destes. É bom ser um semeador e não se preocupar se as sementes irão germinar. Não fico esperando qualquer reconhecimento do meu trabalho, pois me basta saber que faço o que gosto, cumprindo a minha verdadeira missão.
Dia desses conversava com meus alunos da importância de encontrar a vocação. Uma vez encontrada, fica fácil investir em nossos verdadeiros talentos. Aliás, talentos todos nós temos, pena que nem todos acreditam nesse dom individual. Por vezes, leva tempo para encontrá-lo, mas ele sempre estará com você.
O grande desafio é levar as pessoas a acreditar que ser realizado não passa necessariamente pela realização financeira. O legal é ser capaz de integrar a realização profissional (decorrente da vocação) à realização financeira. Acredito muito que antes da realização financeira, é preciso obter a realização profissional. Pode ser que ambas aconteçam ao mesmo tempo, mas se a profissional for mais importante para você, o trabalho sem vocação poderá se transformar em um pesado fardo, em uma prisão sem grades, podendo afetar a sua condição pessoal e emocional.
Esse é o meu ponto de vista pessoal. Não penso em fazer generalizações, pois é bom saber que existem excessões para tudo, mas a minha experiência profissional e o convívio com meus milhares de alunos, respaldam minhas palavras aqui digitadas.
Já vi muitos alunos corajosos jogarem tudo para o alto para irem de encontro a sua vocação e outros, não tão corajosos, que se deixaram levar por um salário excelente ou uma pomposa posição social.
Todos temos desafios pela frente que podem se transformar em aprendizado ou não. Não estou aqui dizendo para ninguém fazer ou seguir as minhas ideias, longe de mim! Apenas sugiro fazer as pessoas a repensarem suas escolhas e posições, algo que faço continuamente e que tem me trazido um enorme aprendizado.
Tenho um jogo de cintura muito melhor do que no passado e abandonei há décadas a concepção de me transformar em uma fortaleza de cristal. Hoje estou mais para uma casa rude feita de bambu, que verga com o vento, mas não se quebra.
Hoje sou muito mais flexível e não me sinto mais fraco por ser assim. Esse é um dos trunfos da certeza que trago de que não estamos vivendo apenas para sobreviver dia após dia. Existe uma razão ainda não esclarecida que nos une ao nosso tempo e a nossa realidade. Um dia todas as perguntas sem respostas, serão respondidas, assim como todos os segredos serão revelados. Neste dia, saberemos a razão e o sentido da existência humana.
E enquanto esse glorioso dia não chega, façamos o melhor para trazer sentido a vida que um dia nos foi ofertada. Esse esforço não será em vão, estou certo disso!

Comentários

Postagens mais visitadas