Escuridão

Cheguei a uma conclusão hoje. Apesar de toda evolução tecnológica por que vem passando a nossa sociedade, continuamos como se estivéssemos no passado. Para muitos de nós isso não é novidade, mas eu nunca parei para ler escritos antigos sobre fé e espiritualidade por acreditar estarem estes desatualizados ou parecerem limitados para um mundo tão "globalizado".
A ciência avança com maior velocidade que a espiritualidade. Deve ser por isso que ao ler documentos escritos em 1962, estes me pareceram tão familiares e atuais. O que está havendo conosco? Isso não deveria estar acontecendo. Será que os problemas humanos são resultantes da cegueira em que estamos mergulhados, quando o quesito fé e espiritualidade chegam a tona?
Estou aflito para ver o filme "O ensaio sobre a cegueira". Já lí o livro e fiquei estarrecido com as conclusões que cheguei. Pior foi comprovar em meu dia-a-dia a veracidade dessas conclusões.
Já lecionei e leciono para alunos totalmente cegos ou quase cegos. Muitos são cegos de nascença, outros ficaram cegos precocemente e outros já caminham para a cegueira inevitável. Sempre me chamou a atenção a palavra escuridão.
São três tipos de comportamento diante da escuridão em que vivem. Os que nasceram cegos me dizem que não sentem falta da luz, pois nunca a viram. Os que perderam a visão precocemente, agregaram sons as poucas imagens que possuem na memória e se adaptaram lentamente às suas crescentes limitações.
E os que estão perdendo a visão, aproveitam ao máximo a visão que ainda possuem. Vivem intensamente as imagens que ainda podem reconhecer. Mas não há um sentimento de angústia em nenhum deles, mas de aprendizado. Reclamam dos tombos que tomam, mas não se sentem vítimas do destino, pois segundo um desses jovens, ele estava no lucro, pois tinha ao seu lado pais maravilhosos, amigos e uma "saúde de ferro".
A percepção é muito maior do que a nossa. Sabem pela audição, avaliar com precisão o estado de espírito de qualquer um que convivam um pouco. O tato também tem um significado mais profundo e integrador.
Lembro-me agora de uma aluna, Rachel, que pelo meu "bom dia" ao entrar em sala, percebia como eu estava. E por mais que tentasse disfarçar a voz, no final da aula buscava aquela simpática menina com olhos verdejantes - cega de nascença, como se fosse o meu oráculo pessoal e perguntava: Como estou hoje? Ela sempre acertava. Conversávamos muito e sobre muitos assuntos. Uma vez, chegou a um ponto de me consolar após a aula, depois de eu ter tido uma enorme perda.
Eram olhos brilhantes e paralisados que me diziam que não haveria de durar muito a minha dor. Que os obstáculos por maiores que fossem, existem para ser ultrapassados. Sentia a firmeza, a força e o calor de sua pequena mão em meu braço, enquanto conversávamos.
Como alguém que nunca havia visto a luz poderia estar ali me dizendo para não desistir e continuar acreditando?
Lembro-me que secou minhas lágrimas com suas mãos, e pediu que eu voltasse a ser aquele professor e homem destemido. Disse-me na última aula que jamais me esqueceria. Perdi o contato depois de tantos anos, mas nunca o que ouvi!
Hoje consigo diferenciar dois tipos de cegueira a que somos acometidos, seja ela permanente ou momentânea. Não me deixo abater muito tempo por nenhuma dor e passei a encarar meus desafios com visão mais corajosa. Perto de meus alunos deficientes visuais, sou um aprendiz.

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